Brasil de Fato – “Grande parte dos feminicídios cometidos antes dessa data foram chamados de crimes passionais. Foram chamados de andar em passos errados. Foram chamados de por que ela se veste assim? Foram chamados de uma mulher sempre tem que se dar ao respeito. Foram chamados de algo que ela deve ter feito para terminar assim. Foram chamados de seus pais a negligenciaram. Foram chamados de a garota que tomou uma decisão errada. Foram chamados, inclusive, de ela mereceu. A falta de linguagem é avassaladora. A falta de linguagem nos algema, nos sufoca, nos estrangula, nos atinge, nos esfola, nos isola, nos condena”.
Trecho do livro O invencível verão de Liliana, da escritora mexicana Cristina Rivera Garza*.
Um banco, começa a ser pintado de vermelho, em meio a rodoviária de Porto Alegre, logo frases começam a surgir: “Lugar de mulher é onde ela quiser”, “Não se Cale”, “Disque 180”. Desenvolvida por meio do Núcleo de Defesa da Mulher (NUDEM) e do Núcleo de Defesa de Diretos Humanos (NUDDH), da Defensoria Pública do Estado, a ação Bancos Vermelhos, aconteceu na quarta-feira (21). A atividade teve como objetivo chamar atenção para a violência contra as mulheres, e ao mesmo tempo conscientizar sobre essa realidade.
Em 2023, no Rio Grande do Sul, 56.243 mulheres foram vítimas de violência de gênero. Sendo 85 feminicídios, e 236 tentativas. Além de 33.369 ameaças, 2.675 casos de estupro, e 19.878 registros de lesão corporal, de acordo com o monitoramento dos indicadores de violência contra a mulher, da Secretaria da Segurança Pública do Estado.
“O aumento da violência contra as mulheres revela, principalmente, a persistência de comportamentos machistas que sustentam a desigualdade de gênero. Além disso, demonstra a ineficácia das políticas públicas, as quais nos últimos anos, infelizmente, sofreram retrocessos”, afirmou recentemente ao Brasil de Fato RS, a dirigente do Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública RS, Paula Britto Granetto.
De acordo com a dirigente, a ação realizada na rodoviária faz parte do Agosto Lilás, que tem como objetivo a conscientização da violência doméstica. A entidade foi o primeiro órgão público a trazer ao estado o projeto Bancos Vermelhos, projeto nascido na Itália, e que no Brasil teve seu lançamento em abril deste ano. O projeto é uma ação internacional dos Stati Generali delle Donne (Estados Gerais das Mulheres – Brasil), uma organização da sociedade civil nascida em 2014, na província de Pavia, na Itália.
Conforme aponta a advogada, integrante do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher e coordenadora dos Estados Gerais das Mulheres – Brasil, Denise Argemi, o projeto internacional Panchine Rosse foi idealizado por Isa Maggi e Tina Magenta, presidenta e vice-presidenta da organização Stati Generali delle Donne e tem marca registrada, por Stati Generali HUB, para evitar que a ação sirva a propósitos político-partidários.
O projeto Bancos Vermelhos visa conscientizar a sociedade civil e governantes do mundo inteiro para o fenômeno e escalada do feminicídio. Ele teve seu primeiro banco vermelho instalado no Norte da Itália, em 2016, na cidade de Lomello. Atualmente há bancos instalados em diversos países, como Estados Unidos, Espanha, Áustria, Mongólia, Austrália, Ucrânia e Argentina.
Foto: Luigi Pinzetta – ASCOM DPE/RS
Ele teve inspiração no projeto dos Zapatos Rojos (sapatos vermelhos), cuja ação nasceu de uma iniciativa da arquiteta Elina Chauvet, em 2009, em resposta à onda de desaparecimentos e trágicos assassinatos de mulheres ocorrida na cidade de Juarez-Chihuahua, no México, durante os anos 1990. A artista teve sua irmã assassinada pelo marido. Como ela, a irmã da escritora Cristina Rivera Garza, Liliana Rivera Garza, uma jovem de 20 anos, estudante de arquitetura, foi assassinada pelo ex-namorado, em 1990.
Bancos vermelhos viram lei no país
No dia 1º de agosto, foi sancionada a a Lei 14.942/24, que prevê a instalação de bancos vermelhos, em espaços públicos, com mensagens de reflexão sobre a violência contra a mulher e contatos para denúncia e suporte a vítimas, como o número de telefone da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180.
A lei prevê a inclusão do Projeto Banco Vermelho na campanha Agosto Lilás, mês voltado para a divulgação de medidas de proteção à mulher e campanhas de combate à violência de gênero.
No Agosto Lilás, o projeto prevê também o desenvolvimento de ações de conscientização no âmbito de escolas, universidades, estações de trem, metrô, rodoviária, aeroporto e outros lugares de grande circulação.
“As pessoas podem dizer é só um banco vermelho mas tu entende que é um banco que faz as mulheres pensarem. Na ação as mulheres interagiram. Assim como faz pensar, de janeiro até julho, tivemos 34 feminicídios*. É muito, a mulher morrer só por ser mulher, porque não quer mais ficar no relacionamento”, ressalta a defensora Paula.
De acordo com levantamento da Secretaria da Segurança Pública do Estado. Segundo levantamento do Lupa Feminista o estado registrou de janeiro até o momento 52 feminicídios.
Juntamente com os bancos, a entidade distribuiu cartilhas sobre a educação em direitos da mulher e combate ao feminicídio. O banco que hoje está na sede da defensoria, na próxima terça-feira (27), será levado em ação da Rede Lilás, que esteve desativada desde 2017 e foi retomada neste ano.
A atividade será realizada no Largo Glênio Peres, a partir das 11 horas. A ação tem como objetivo oferecer e divulgar os serviços do estado disponíveis para ajudar, acolher e apoiar as mulheres vítimas de violência doméstica, além de conscientizar sobre a importância de procurar ajuda e denunciar os tipos de violência.
Além dessas ações a Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb), tem realizado desde o dia 15 de agosto intervenções nas estações da Trensurb alusivas ao Agosto Lilás. As ações são resultado de uma parceria da empresa metroviária com a Fundação La Salle.
“Nessa intervenção social nós estamos abordando as mulheres nas estações para conscientizar pelo fim da violência”, explicou a psicóloga Karla Haack, coordenadora da atividade pela Fundação La Salle. “Isso é de extrema importância, pois, infelizmente, a cada seis horas, uma mulher é vítima de feminicídio no Brasil. Então, ter um espaço de ampla circulação como as estações da Trensurb é uma ajuda enorme e muito necessária para essa informação chegar em um grande número de mulheres”, completou.
As ações já aconteceram nas estações Canoas, Mathias Velho e Sapucaia. As próximas acontecerão em São Leopoldo (27/8, 8h30), Novo Hamburgo (27/8, 13h30) e Esteio (29/8, 8h30, 13h30 e 17h).
Por: Fabiana Reinholz – * Com informações da ASCOM DPE/RS e Trensurb.