Denúncias de abuso sexual em abrigos levam à criação de espaços exclusivos para mulheres e crianças

Casos envolvem familiares das vítimas, o que sinaliza a possibilidade de que abusos já ocorressem anteriormente

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Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Sul 21 – Desde o início da enchente que fez milhares de pessoas buscarem abrigos temporários em todo o Rio Grande do Sul, seis homens já foram presos suspeitos de cometer abusos sexuais contra crianças e adolescentes nos locais de acolhimento. Em coletiva de imprensa na tarde desta quinta-feira (9), o governador Eduardo Leite informou que os casos envolvem familiares das vítimas, o que sinaliza a possibilidade de que os abusos já ocorressem anteriormente. “A situação nos abrigos [pode ter] escancarado isso e dado oportunidade de ação ao poder público”, afirmou. A comunidade e o poder público estão tomando medidas emergenciais para proteger mulheres e crianças em vulnerabilidade.

A deputada federal Daiana Santos (PCdoB) recebeu denúncias enviadas por voluntários dos abrigos através de redes sociais. A assessoria da parlamentar informa que, até o momento, as denúncias relatam abusos sexuais cometidos contra crianças de 6 e 10 anos de idade, além de uma adolescente. A deputada, que preside a Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, enviou ofícios sobre as denúncias a ministérios do governo federal, ao governo estadual e às prefeituras das cidades de Porto Alegre, Canoas e Viamão, onde os casos teriam acontecido.

À imprensa, Leite afirmou que já encomendou ao secretário de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Fabricio Guazzelli Peruchin, a criação de abrigos destinados a mulheres, crianças e jovens em situação “que envolva especial cuidado”.

Na Capital, a diretora-presidente da Procempa, Letícia Batistela, garantiu que será organizado um abrigo destinado exclusivamente a mulheres e crianças. “Estamos com MP e Tribunal de Justiça engajados. O Dia das Mães se aproxima e queremos colocar mulher e crianças, unidos, em um ambiente seguro. Vamos divulgar em breve, no máximo até domingo”, afirmou. Em seguida, o prefeito Sebastião Melo informou nas redes sociais que o abrigo exclusivo será no Foro do Partenon.

Melo também afirmou que, a partir da noite desta quinta (9), haverá segurança privada nos 127 abrigos referenciados pela Prefeitura. A gestão municipal já havia anunciado, nesta quarta-feira (8), a contratação de vigilantes para apoio à segurança das mais de 12 mil pessoas acolhidas nos abrigos provisórios.

A Prefeitura já organizou um espaço para centralizar o atendimento às crianças, desabrigadas pela enchente, que são resgatadas sem seus familiares. Trata-se de uma sala no Clube Geraldo Santana, ponto de referência de acolhimento aos desabrigados. O serviço funciona 24h e é composto por profissionais da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), Fundação de Proteção Especial do Rio Grande do Sul (FPE), Conselho Tutelar, Ministério Público, Judiciário, técnicos de assistência social e psicólogos.

Em Canoas, uma iniciativa surgiu entre as próprias moradoras, que organizaram um abrigo só para mulheres e crianças. O espaço, que fica no bairro Niterói, foi divulgado pela médica e influenciadora Thelma Assis no Instagram. “Nós vamos fazer uma busca ativa nos abrigos e oferecer pras mulheres que elas venham pra cá”, disse Thelma. Cerca de cem pessoas poderão ser atendidas no local.

Relatos de violência em abrigos expõem vulnerabilidade de mulheres e crianças. Foto: Cesar Lopes/ PMPA

Enquanto Leite falava à imprensa sobre os casos de abuso, também ocorria nesta tarde uma reunião no Palácio da Justiça com representantes do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente do Rio Grande do Sul. A reunião teve a participação do ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida.

Na oportunidade, a coordenadora geral dos conselhos tutelares de Porto Alegre, Alice Goulart, ressaltou o problema de páginas em redes sociais que têm publicado fotos e nome completo de crianças supostamente desaparecidas. “É na tentativa de auxiliar, mas prejudica, porque expõe as crianças. Tem situações de genitores que não podem ter contato com a criança e descobrem que a criança está em algum espaço. São situações que já identificamos, e é muito perigoso”, relatou.

Os conselhos tutelares podem enfrentar obstáculos para realizar atendimentos mesmo fora do contexto dos abrigos temporários. Isso porque, em Porto Alegre, as sedes do Conselho em duas microrregiões estão submersas. Além disso, há oito conselheiros em abrigos. A coordenadora Alice pediu ao Secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Cláudio Vieira, também presente na reunião, ajuda para “refazer” os locais que alagaram.

O problema se estende por todo o Rio Grande do Sul: conforme o presidente da Associação dos Conselheiros Tutelares do Rio Grande do Sul (Aconturs), Jeferson Leon Machado, há nove sedes atingidas no estado. Além disso, 59 conselheiros foram atingidos diretamente. Em Canoas, foram 13 dos 20 conselheiros que atuam na cidade.

“Isso que o levantamento ainda não está completo”, ressaltou Machado. “A situação cria dificuldade no trabalho de ajuda, porque esses conselheiros também têm que se preocupar com a questão pessoal do que aconteceu na vida deles. A garantia de direitos fica prejudicada por essa deficiência na proteção das crianças e dos adolescentes”.

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