Sul 21 – Na noite desta segunda-feira (8), uma audiência pública na Assembleia Legislativa do RS discutiu as falhas na proteção contra a cheia de maio em Porto Alegre, Canoas e São Leopoldo. As cidades da região metropolitana enviaram autoridades para explicar as providências que estão sendo tomadas para melhorar o sistema de proteção contra enchentes. O diretor do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), Maurício Loss, que havia confirmado presença na reunião, avisou que não compareceria após um atraso.
Pela Secretaria Extraordinária da Reconstrução do RS, o diretor de relações econômicas Ronaldo Zulke informou que já existe decisão do governo federal sobre obras emergenciais de restabelecimento dos diques e das casas de bombas. O Ministério da Integração deve encaminhar as obras junto às prefeituras da grande Porto Alegre.
Diretor-superintendente da Metroplan, o engenheiro elétrico Francisco Hörbe destacou que quatro projetos da Fundação para proteção contra cheias foram contemplados no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal em 2012. Os projetos têm financiamento garantido até a terceira etapa e estão em andamento. “A estimativa de recursos atualizados pelas empresas responsáveis é de R$ 6,7 bilhões”, detalhou Hörbe.
Os estudos da Metroplan mostram que 35 mil residências ocupam áreas das manchas de inundação das bacias observadas. Por isso, Hörbe apontou a importância de congelar e remanejar a habitação nesses locais, além de um plano nacional de habitação.
O superintendente defendeu a criação de um órgão de manutenção dos sistemas de proteção. “Desde a extinção do DNOS [Departamento Nacional de Obras de Saneamento], cada município faz a sua prevenção. Funciona por um lado, mas uma bacia precisa ter um gerenciamento único”, disse.
Engenheiro ambiental e doutor em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental, o professor Maurício Paixão, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS (IPH), explicou que em Porto Alegre a falha na prevenção da enchente acarretou em falhas nas demais etapas de resposta ao desastre.
Apesar da atuação dos voluntários ter sido essencial nos resgates e abrigos, Paixão destacou que são necessárias diretrizes do poder público. “Haviam algumas discrepâncias prejudiciais na fase de resposta. É difícil ter uma boa comunicação num momento de desastre, mas todo o esforço deve ser feito para que isso aconteça de forma satisfatória”, afirmou.
“A água acabou fazendo reintegração de posse”, disse Fabiano Camardo, coordenador da Defesa Civil em São Leopoldo, ao mostrar uma imagem de satélite da cidade em 1961, quando não existiam os diques de contenção. Cerca de 130 mil pessoas foram afetadas no município, fazendo com que a capacidade de resposta do poder público fosse insuficiente. Hoje, 700 cidadãos continuam sendo assistidas em abrigos públicos.
O plano de contingência da cidade teve início em 2014 e foi cumprido no evento deste ano, mas a cheia ultrapassou as métricas já conhecidas. O documento previa, por exemplo, dois espaços de abrigo – foram abertos 130 para dar conta da demanda de pessoas desabrigadas em maio de 2024. Além disso, nenhum equipamento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) estava em funcionamento no município.
Camargo apresentou, como sugestão para a melhoria da capacidade de resposta às próximas cheias, a estruturação da Defesa Civil. “Não só colocar pessoas, mas quadros técnicos, equipamentos e principalmente arcabouço legal. Muitas vezes, a gente está em atuação e fica preso por não ter um fiscal ou engenheiro – precisa estar pedindo servidores em outros setores para dar uma análise técnica para a ação”, destacou.
Coordenador da audiência pública, o deputado Miguel Rossetto (PT) reforçou o entendimento de qualificar a Defesa Civil. “Precisamos uma nova Defesa Civil. Muitos estados têm Secretaria da Defesa Civil, como é o caso de Santa Catarina. Um dos casos dramáticos que nós tivemos foi quando as pessoas eram avisadas que deveriam sair de casa, mas sem saber para onde deveriam ir”, lamentou. A capacitação de agentes comunitários para núcleos da Defesa Civil é outro ponto considerado essencial para prevenir que mais pessoas sejam afetadas.
Secretário de Obras de Canoas, Guido Bamberg afirmou que a cidade vizinha à Capital terá queda de R$ 204 milhões na arrecadação até o final do ano. O município contabiliza 180 mil pessoas atingidas. A principal causa apontada para o maior alagamento da história de Canoas foi o rompimento de diques: houve um rompimento de 50 metros de extensão no do bairro Rio Branco, e ruptura total no dique do bairro Mathias Velho, junto à Casa de Bombas 6. Ambas as estruturas foram projetadas para uma cota de cheia de cinco metros.
Os diques rompidos foram fechados emergencialmente com pedra de demolição, e agora a prefeitura de Canoas estuda elevar a cota do sistema de proteção para sete metros. O dique do bairro Niterói já havia sido elevado para 6,3 m em 2023, fator apontado como o que impediu o alagamento da Base Aérea de Canoas – atualmente, local de pouso e decolagem de aviões que antes saíam do Aeroporto Salgado Filho.
Além da construção de novos diques, a prefeitura quer elevar o maquinário dos diques já existentes para que motores e painéis de controle não fiquem submersos em próximas enchentes. “As casas de bombas terão automação, videomonitoramento e sistema de alertas”, afirmou o secretário Bamberg. A requalificação do sistema de proteção envolve investimento de R$ 1,5 bilhão. “O centro da cidade só não inundou por ser elevado. Nós precisamos avançar nesse sistema de proteção com muita celeridade”, enfatizou.