Proteção contra as enchentes, DEP foi extinto por 27 vereadores

Veja quem votou pelo fim do departamento anticheias. Depois, vários foram às redes lamentar a situação

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Quando as águas engolfaram o Centro Histórico não apenas Melo, mas muito mais gente lembrou do desaparecido DEP, o Departamento de Esgotos Pluviais - Foto: Jorge Leão

Brasil de Fato – “Mas vocês acham que é preciso recriar o DEP?”, perguntou o prefeito Sebastião Melo (MDB) ao engenheiro e ex-diretor do DMAE, Vicente Rauber, quando o Guaíba avançava e submergia parte de Porto Alegre. “Mas, prefeito, não pergunte para nós. Veja a cidade como está”, foi a resposta.

Quando as águas engolfaram o Centro Histórico e bairros como Sarandi, Humaitá, Guarujá, Ipanema, Cidade Baixa, Navegantes e Menino Deus não apenas Melo, mas muito mais gente lembrou do desaparecido DEP, o Departamento de Esgotos Pluviais. Sua morte ocorreu em 12 de julho de 2017 pelo voto de 27 vereadores. Quem votou para aniquilar o baluarte técnico da capital gaúcha contra as inundações implantado em 1976?

Quem votou pela extinção

Nos anais da fatídica sessão da Câmara de Vereadores estão gravados todos os nomes dos seus autores.  Votaram a favor do projeto de lei complementar (PLC) 05-017 os vereadores Paulo Brum, Cassio Trogildo, Luciano Marcantônio, Marília Fidell e Professor Wambert, todos do PTB; Airto Ferronato e Paulinho Motorista, ambos do PSB; André Carus, Idenir Cecchin e Valter Nagelstein, do MDB; Alvoni Medina e José Freitas, do Republicanos; João Carlos Nedel, Matheus Ayres e Mônica Leal, os três do PP; Reginaldo Pujol e Mendes Ribeiro, do DEM; Dr. Thiago e Mauro Zacher, do PDT; Tarcísio Flecha Negra, do PSD; Cassiá Carpes, do Cidadania; Alvaro Araújo, do PSDB; Rodrigo Maroni, do PR; Mauro Pinheiro, da Rede Sustentabilidade; Adeli Sell, do PT; Cláudio Janta, do Solidariedade; e Felipe Camozzato, do Novo.

Toda a oposição ao prefeito tucano Nelson Marchezan Junior (PSDB), votou contra o PLC com uma exceção: Adeli Sell, do PT. Segundo os anais da sessão, Sell tentou trocar o voto, argumentando que se equivocou na hora do “Sim” ou “Não”. Mas o presidente da Câmara, Cassio Trogildo, do PTB, negou-lhe essa possibilidade, permitindo-lhe apenas deixar registrada sua manifestação contrária.

Brasil de Fato RS perguntou aos partidários do “Sim” que ainda exercem a vereança se, ao verem a cidade submersa, mudariam de opinião. A mesma questão foi remetida aos vereadores Airto Ferronato, Cassiá Carpes, José Freitas, Mauro Pinheiro, Mônica Leal, Alvoni Medina e Cláudio Janta. Também se tentou contato e respostas com os ex-integrantes da Câmara Cassio Trogildo, Valter Nagelstein, Idenir Cecchin, Reginaldo Pujol, André Carus, Dr. Thiago, Luciano Marcantônio e Felipe Camozzato.

“Sempre fui contrário à extinção do DEP”

De todos, apenas um deles respondeu. Ex-diretor do DEP, Airto Ferronato disse que tentou evitar o fim da defesa da cidade contra as enchentes através de emenda que acabou rejeitada. “Sempre fui contrário à extinção do DEP, órgão que tinha em seu quadro dezenas de profissionais altamente especializados e com profundo conhecimento de drenagem urbana”, argumentou.

Eram técnicos que, segundo seu testemunho, “conheciam cada ponto de alagamento da cidade e sabiam das necessidades para resolução. Juntos, encaminhamos e aprovamos no Ministério das Cidades, em 2004, o projeto básico para reforma e ampliação das casas de bombas, por exemplo, que infelizmente foi deixado de lado pelas gestões seguintes e Porto Alegre perdeu o recurso”.

“Meu coração está com os afetados pela tragédia”

Ferronato alega que acabou votando a favor do PLC 05-017 porque o caso do DEP – sua absorção pelo DMAE – estava inserido em uma “ampla reforma administrativa” do governo que iniciava e que visava, segundo o prefeito, “desburocratizar e facilitar o acesso do cidadão ao serviço público”.

Entre os vereadores ou ex-vereadores que selaram a morte do DEP, alguns frequentaram as redes sociais durante o desastre demonstrando compunção. Alguns exemplos:

“Desde o primeiro dia, venho acompanhando de perto a situação das vítimas dos alagamentos. Agora que a água baixou, o que vejo é um cenário devastador”, postou Luciano Marcantônio, no dia 5 de maio. E adiante: “As casas destruídas e os pertences espalhados são testemunhas de um sofrimento profundo e de uma reconstrução que será longa. Meu coração está com todos os afetados por essa tragédia.”

“Oramos por nossa querida Porto Alegre”

“Hoje, depois de atuar na Cidade Baixa e Asilo Padre Cacique fomos resgatar duas idosas no 19º andar de um prédio vizinho ao Correio do Povo. Jamais imaginei que caminharia sob um silêncio total, uma escuridão, e com água pelo peito, em plena rua da Praia”, postou Valter Nagelstein.

“Hoje estivemos na IURD (Igreja Universal do Reino de Deus) do Partenon, Santo Alfredo, Morro da Cruz, Agronomia, Azenha”, relatou o vereador José Freitas em 9 de junho, quando “oramos pelas nossas famílias, pelo Rio Grande do Sul e pela nossa querida Porto Alegre”.

“Estamos fazendo o que conseguimos apesar de estarmos ilhados”, explicou Alvoni Medina em vídeo no meio da inundação.

Contra o DEP, a favor da Fraport

Felipe Camozzato fez mais. Hoje deputado, usou a tribuna da Assembleia Legislativa/RS para dizer que o governo Lula está “de má vontade” com a Fraport, concessionária do aeroporto Salgado Filho, e precisaria indenizar a empresa alemã pelo “evento fortuito das enchentes que prejudicou as operações” …

Uma visita às 92 páginas de notas taquigráficas da sessão legislativa que suprimiu o DEP da vida dos porto-alegrenses permite perceber que, nos debates envolvendo a reestruturação proposta pelo governo Marchezan Junior, a oposição não teve nenhum sucesso nas suas emendas. O rolo compressor do Executivo atropelou todas embora os oposicionistas tenham ocupado mais a tribuna do que a base do prefeito.

“Estão extinguindo o DEP, gente, o DEP!”

Pela situação, quem mais falou foram o diretor-geral do DMAE, Maurício Loss, e seu diretor-adjunto, Darcy Nunes dos Santos. Este argumentou que “a drenagem estava meio perdida” (antes do DMAE absorver as funções do DEP) mas que, agora, “essa proposta impacta diretamente na drenagem urbana, de forma positiva”.

As bancadas mais ativas contra a desaparição do DEP foram as do PT e do PSOL. Na tribuna, a então vereadora Fernanda Melchionna, do PSOL, reclamou: “Estão extinguindo o DEP, gente, o DEP! Que tem que funcionar, obviamente, para resolver o problema da cidade, garantir a limpeza dos bueiros, etc. Tem que ter investimento!”

Engenheiro Comassetto, do PT, acompanhou: “Nós concordamos em tornar eficiente a estrutura pública, mas o DEP é uma das menores estruturas existentes no município de Porto Alegre, que trabalha na ponta e faz um trabalho fundamental”. E Roberto Robaina, do PSOL: “Um departamento que já está sendo sucateado, com a sua extinção – na prática é disso que nós estamos falando: a extinção formal e real do departamento – nós vamos ter uma precarização e uma desorganização ainda maior do serviço”.

“A capital dos gaúchos não merece isso”

“Vou lembrar a V. Exas. que esta é a cidade do Orçamento Participativo. É a cidade de 26 conselhos temáticos, onde a população pode opinar, pode incidir no planejamento (…) Isso foi exemplar para o mundo (…)”, atacou Sofia Cavedon (PT).  “E nós estamos cada vez mais afrouxando, retrocedendo em marcos históricos, em marcos que são da nossa cidade, que inscreveram a cidade no mundo. A democracia não merece isso e a capital dos gaúchos também não”.

Fernanda Melchionna entendeu que o projeto de reestruturação “tem por objetivo principal encaminhar o desmonte da máquina pública municipal, criando secretarias gigantescas, com orçamentos e poderes excessivos e, ao mesmo tempo, extinguindo secretarias emblemáticas na estrutura do município”, como as do Meio Ambiente (primeira a ser criada no Brasil), dos Direitos Humanos, dos Esportes, do Departamento de Esgotos Pluviais, entre outras pastas”.

“Retrocesso técnico”

Na semana seguinte à erradicação do DEP, o professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS, Carlos Tucci, deixou seu prognóstico registrado em texto. Com doutorado em recursos hídricos no exterior, recordou que se tratava de “uma das primeiras instituições de drenagem urbana do mundo”. Definiu a extinção como “um retrocesso técnico que provavelmente tenderá à deteriorização destes serviços ao longo do tempo ou a prejuízos já que tudo tem um preço em serviços”.

Veja abaixo um trecho da ata da sessão de 12-07-2017 onde consta a votação e os votantes.


Edição: Katia Marko

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