SERVIÇAL DO FETICHISMO

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Historicamente existe uma disputa entre os homens e as coisas, entre a utilidade de alguém ou alguma coisa. Alguém que possui alguma coisa é mais importante do que alguém que não possui tal coisa? As coisas materiais são formas de classificar as pessoas? Uma pessoa que possui muitas coisas deve ser tratada de forma diferente do que aquela que possui poucas coisas ou nada?

Essas dúvidas sempre estiveram presentes no decorrer da história do desenvolvimento humano e continuarão, quem sabe, até a extinção da humanidade. A diferença entre ser e ter pode ter começado quando foi inventada a roda, ou antes, e algum hominídeo tenha começado a gastar menos tempo para transportar mais carga, com menos esforço e, provavelmente, tenha sobrado um tempinho para se dedicar a outros afazeres.

Depois de longo desenvolvimento das coisas e da inegável utilidade que cada invenção trouxe para a humanidade, hoje quem tem instrumentos de facilitação da vida é visto como uma espécie de benfeitor a ser cortejado.

Alguém que possui um jatinho particular pode proporcionar uma viagem rápida e mais confortável de um canto ao outro do país, ou alguém que possui uma mansão pode ser uma útil amizade, principalmente quando houver a possibilidade de grandes festas regadas a outras coisas como comidas e bebidas das mais variadas.

A proximidade com o mundo das coisas passa a ser desejada e supervalorizada. Quem possui a coisa passa a ser parte daquela coisa, pois o que os outros querem, na verdade, é a usufruição da coisa. Aquele que detém as coisas acaba por entender esse jogo e estabelece uma relação de mediação entre as pessoas que desejam as suas coisas e as suas próprias coisas. Mais ou menos assim acontece a mediação entre aqueles que acreditam em deus e os sacerdotes que fazem essa mediação.

Os sacerdotes, padres, pastores, cobram um dízimo, uma atitude ou uma promessa para conectar os fiéis a deus. Já os homens que detém as coisas fazem quase o mesmo, cobrando uma taxa de deferência para dar acesso a alguns escolhidos para suas coisas. Esses escolhidos são, geralmente, aqueles que não possuem coisa alguma e se debatem como lambaris famintos à espera de um miolo de pão, são aqueles “despossuídos de coisas” que se submetem a pagar a taxa arbitrada. Essa taxa pode vir mascarada de muitas faces como a do bom amigo, que não suporta o dono da coisa, ou a face da acompanhante, que gosta de andar em uma coisa feita pela McLaren e não se importa quem seja o cobrador da taxa.

Os cobradores das taxas, convictos de sua função e fiéis ao sistema das coisas já sabem, de antemão, que só possuem lugar enquanto forem os intermediadores entre as coisas e os homens e, por isso, estão sempre em busca de novas coisas, novos padrões cada vez mais bonitos e caros, pois o preço é um dos sinais de exclusividade e, consequentemente de alta procura.

Quanto mais procurada for uma coisa dessas, mais poder de barganha  o pastor das coisas possui para selecionar seus lambaris e com mais vontade os lambaris se atiram para dentro do objeto do desejo. O dono das coisas sabe que se trata de uma troca e sabe, também, que ele sem a coisa fica prejudicado. Para manter as relações com os outros ele terá que ter, sempre, outras coisas. Esses, por experiência própria sabem perfeitamente a diferença entre ser e ter.

Felipe José dos Santos | Advogado

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