Perceber a bondade das coisas

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Cônego Alexander Mello Jaeger

Nos acostumamos a ler e escrever sobre assuntos polêmicos, difíceis e críticos deixando de lado coisas que sejam positivas. Tanto que a literatura que trata desses aspectos é chamada hoje de autoajuda. Não deveria haver esse tipo de diferenciação de literatura. Os assuntos tratados deveriam sempre ser importantes para a nossa vida e se não são significativos não deveriam nem sequer ser tratados ou escritos, o que vale também para o que falamos. Acontecem muito mais coisas boas que ruins. No entanto essas últimas acabam ocupando um espaço maior. Aparentemente pode parecer que o mal é maior e vence.

Na nossa cultura há uma propensão para o pessimismo. O pessimismo consiste em não acreditar na possibilidade de melhorias, ressaltando tudo o que for negativo. Há muita notícia de tragédias, crimes, corrupções, traições, desastres e tantas outras coisas que fazem com que o ser humano se sinta incapacitado de reagir diante de problemas. A prática do cancelamento e da tentativa de destruir pessoas pelas redes sociais é um exemplo disso. É difícil reconhecer as qualidades da outra pessoa, valorizar suas as conquistas, enaltecer as coisas boas e apresentar o que se tem de positivo. Outro exemplo é, quando o percorro a imensidão de nossa diocese encontro locais belíssimos na natureza. Temos lugares que seriam pontos turísticos significativos, mas parece que não é interessante. Muitos desejam visitar outros lugares, nem sempre tão bonitos e tão impressionantes como os nossos. Parece que o que temos aqui não é bom o suficiente para empreender.

Há poucos dias atrás concluí a leitura do volumoso livro de Joaquín Navarro-Valls que foi durante 21 anos o porta-voz do Vaticano pela sala de imprensa no período em que João Paulo II foi papa e o primeiro ano de Bento XVI. O título do livro é Meus anos com João Paulo II. Nele encontramos diversas informações significativas sobre a atuação dos papas. Muitos dos acontecimentos e eventos ali descritos participei nos anos que vivi em Roma.

Eles me deram uma nova luz para o que experimentei de fora, permitindo entender a dinâmica interior e motivações que na época não ficavam claras. Algumas frases de João Paulo II me motivaram a escrever esse artigo.

O autor recorda muitas expressões e palavras de João Paulo II. Dentre elas a afirmação recordação que a nossa fé começa dizendo que ao criar Deus viu que tudo era bom. Deus tem uma visão positiva da sua criação. Nós é que perdemos esta visão e olhamos o mundo de uma forma mais negativa. O papa recorda a posição do protestantismo histórico na qual a vontade do ser humano ficou tão corrompida pelo pecado que ele é incapaz de fazer algo por si só. Por isso necessita da graça e somente a graça é capaz de fazer algo que o salve.

Esta visão é espiritual com consequências na vida material, corporal, uma visão negativa, pessimista da realidade e das ações humanas. A fé católica por sua vez acredita que a primazia é da graça de Deus, mas não basta somente a graça sendo necessário também uma fé que se traduza em ações, ou seja, a caridade. É possível melhorar as coisas e essa melhoria acontece a partir de nós, interior e exterior, pela transformação das realidades, das relações, do mundo no qual vivemos.

Não podemos nos ater e nos deter pela ausência de resultados imediatos. Há coisas que devem ser feitas porque podem ser feitas e, por isso, devem ser feitas. É importante olharmos o mundo de uma forma mais positiva e perceber quanta coisa boa está acontecendo e o quanto de bom nós estamos realizando. E fazer mais, para que não se perca a Esperança de melhorar, uma Esperança que é real e não uma ilusão. Vamos perceber a bondade das coisas.

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