Ponto de Inflexão

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Felipe José dos Santos, advogado.

O objetivo desse comentário não é, em hipótese alguma, criticar a grande onda de solidariedade e de demonstração de afeto que o povo brasileiro está fazendo com os gaúchos. Um desastre dessas proporções é uma oportunidade para que todos exercitem a empatia, a capacidade de se colocar no lugar dos outros e de praticar o bem sem olhar a quem, como diz um dos principais ditados do altruísmo e da filantropia.

Essa catástrofe serve para reavivarmos nosso humanismo e criarmos uma onda de esperança que reascenda a importância da coletividade.
No entanto, existe uma questão mais profunda, mais séria e latente nesse acontecimento catastrófico que não pode ser negligenciado e nem escondido atrás do heroísmo dos voluntários, nem da caridade dos doadores e, muito menos, da inocência das vítimas.

O fato real que deve ser trazido à tona diz respeito ao nosso comportamento enquanto participantes do ecossistema chamado Terra.
Os eventos climáticos extremos no mundo, no ano de 2023 foram: terremoto da Turquia e Síria; tsunami na Líbia; terremoto no Marrocos; incêndio no Havaí; incêndios e enchentes (desastre duplo) na Grécia; terremoto no Afeganistão; e erupção do Monte Merapi. E agora, em 2024, as enchentes no Rio Grande do Sul.

Temos dado cada vez mais valor para as ações emergenciais sem percebermos que essas catástrofes estão cada dia mais perto de nós e que, de certa forma, estamos normalizando a convivência com problemas ambientais sem tomarmos consciência de que grande parte desses eventos são responsabilidade de nossas ações ou omissões.

Já não basta mais agirmos heroicamente na ocasião, quando sabemos que estamos vivenciando consequências de nossos atos nada heróicos enquanto seres humanos. A impressão que passa, às vezes, é de que as pessoas esperam uma tragédia dessas para provar a si mesmas que são humanas, filantropas e preocupadas com a vida e o meio ambiente. Mas, essa parece ser uma humanidade de ocasião.

Não podemos mais esperar um momento crítico para exercitarmos nossa humanidade. Nossa humanidade deve estar atrelada ao convívio harmônico com a natureza e o bioma e devemos perceber que já não se sustenta mais o heroísmo de ocasião, a filantropia do markting e o acolhimento de emergência. Temos que ter humanidade suficiente para sabermos que devemos mudar o ritmo das coisas de forma rápida e criar “um ponto e inflexão”, um momento de tomada de consciência ambiental global e de comprometimento, sem tergiversações, sem desculpas esfarrapadas, sem relativizações.

Prever catástrofes ambientais e fazer planos de contingência e logística é necessário e fundamental. Todavia, atacar o problema ambiental, na raiz, exige uma mudança radical de comportamento e de modelo, político, econômico e de concepção humana.

De nada nos adiantará, em um futuro próximo, fazermos pix de cem reais, doações de quinhentos litros de água potável ou de remédios para uma catástrofe se continuarmos a profanar a natureza destruindo as matas nativas e ciliares dos rios, obstruindo córregos e envenenando os lençóis de água ou poluindo o oceano com todos os tipos de resíduos humanos.

Depois que sairmos dessa catástrofe não podemos desejar “que tudo seja como antes”, pois se for assim, será constantemente pior.

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