A cultura gaúcha e a cidade antiga

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Lendo o livro de Fustel de Coulanges, A Cidade Antiga, comecei a identificar muitas semelhanças com a cultura gaúcha. O livro fala de uma cultura baseada em deuses lares, deuses familiares, que eram venerados por famílias e tribos, sendo que cada grupo de indivíduos possuía seus próprios deuses que, geralmente, eram heróis guerreiros ou grandes representantes de suas linhagens. O politeísmo, segundo Coulanges, era normal e esses deuses lares conviviam junto com seus familiares e eram, inclusive, alimentados e aquecidos pela própria família. O responsável pelo culto aos deuses familiares era o “pai da família”, aquele que tinha relação com os antepassados e organizava os rituais de adoração e veneração às entidades que deveriam ser bem tratadas para não se voltarem contra seus descendentes.

Esses “patrícios”, os pais das famílias, tinham muita semelhança com os “patrões” da cultura gaúcha. E assim como os patrícios eram uma referência para as famílias e os servos que precisavam trabalhar em alguma terra, os patrões também são os donos da terra que oportunizam o trabalho na lida do campo.

Outra relação interessante com a cultura greco-romana é relacionada ao fogo. Naquele período da história todas as famílias possuíam um “fogo sagrado” que homenageava os antepassados. O gaúcho possui o “fogo de chão”, que tem uma simbologia de união, tal qual aquela que unia as famílias aos seus antepassados.

Ainda sobre o fogo de chão, pode-se perceber que existem lugares no Rio Grande que cultivam a ideia de um fogo ancestral, que nunca apaga, remetendo àquele fogo sagrado
que os patrícios tinham a obrigação de manter para agradar seus deuses lares.

Outra coincidência entre os povos antigos e os gaúchos se dá com relação ao sistema de poder que existia em Esparta, Atenas, Tebas e outras cidades. Lá os únicos que eram considerados cidadãos eram os patrícios, eles eram os únicos que podiam se dirigir à justiça e que podiam fazer uma reclamação ou serem julgados, pois os demais indivíduos não possuíam cidadania e não eram reconhecidos na cidade. As demandas de quem não era cidadão eram resolvidas dentro das famílias ou tribos pelos próprios patrícios.

Nisso também há uma semelhança entre os patrícios e os patrões. Mesmo que hoje exista uma nova legislação e outro método de poder, ainda se vê que os antigos patrões,
ainda que inconscientemente, não querem admitir que seus subalternos tenham opinião e participem da sociedade como cidadãos.

É bastante interessante perceber que aqui nesse canto do Brasil existe uma cultura que guardou muitas características daquele tempo, anterior ao cristianismo, onde se dava bastante importância para os antepassados, as famílias como um clã religioso e a importância da terra como espaço onde os patrícios, hoje os patrões, tinham domínio sobre a população.

Hoje ainda vemos pequenas cidades onde os cidadãos são, em sua maioria, funcionários, trabalhadores, operários e serviçais de alguns grandes proprietários de terra, nos mesmos moldes relatados no livro “A Cidade Antiga” de Fustel de Coulanges.

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